De acordo com as intenções manifestadas pelo Primeiro-Ministro, será proposto na Assembleia da República o aumento do número de escalões do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). A perspetiva do Governo passará pelo desdobramento de dois escalões concretos da tabela onde constam as taxas gerais de IRS, pretendendo com isso proporcionar uma tributação mais justa e equitativa para determinados intervalos de rendimento.
De acordo com a legislação atualmente em vigor, os escalões de IRS são os seguintes:

Convém, ainda, não esquecer a Taxa Adicional de Solidariedade, aplicável aos rendimentos acima dos €80.000, que poderá oscilar entre 2,5% e 5%, conforme seja, ou não, inferior a €250.000, podendo falar-se, verdadeiramente, da existência de dois escalões adicionais de IRS, ainda que com particularidades.
As alterações propostas são, portanto, o desdobramento do terceiro escalão (para rendimentos entre €10.732,01 e €20.322) e do sexto escalão (para rendimentos entre €36.967,01 e €80.882), aos quais são aplicáveis, respetivamente e dentro do próprio escalão, as mesmas taxas. Face à progressividade do IRS, o facto de ser aplicada a mesma taxa aos rendimentos de cada um desses escalões não significa que a taxa efetiva seja a mesma na base e no topo de cada escalão. Isto porque essa taxa apenas é aplicada ao rendimento que efetivamente se inclua nesse escalão, sendo a parte dos rendimentos que se inclua nos escalões anteriores tributada a taxas mais baixas, assim conduzindo a que a taxa efetiva no início de cada escalão seja praticamente a mesma que a taxa média do escalão anterior, ao passo que a taxa máxima de cada escalão corresponde à taxa média desse próprio escalão. Exemplificando: um contribuinte cujo rendimento coletável seja correspondente a €10.732,01 será tributado de acordo com a taxa efetiva de 17,367%, ao passo que a taxa efetiva do contribuinte com rendimento coletável de €20.322 seja de 22,621%, ainda que estejam no mesmo escalão.
Em face desta explicação, percebe-se, desde logo, que o desdobramento de um escalão de IRS em dois ou mais escalões – e desde que acompanhado pela manutenção das taxas aplicáveis aos escalões inferiores – vai conduzir a que (potencialmente) todos os contribuintes incluídos no escalão sujeito a desdobramento, bem como os que sejam incluídos em escalões superiores, conduza a uma diminuição da carga fiscal. E, tendencialmente, a uma diminuição da receita fiscal, embora não exista uma correlação direta e necessária. É o resultado natural do aumento da progressividade do imposto em questão.
Mas fará sentido desdobrar os escalões em questão?
Teoricamente sim, pois estão em causa os dois escalões que conduzem a maior desequilíbrio. O mais baixo, que nem no seu topo um rendimento coletável de quase o dobro da sua base, porque inclui contribuintes que auferem pouco mais que o salário mínimo e contribuintes que auferem sensivelmente o que se tem como salário médio no país (pensando em rendimentos da Categoria A), algo que parece profundamente injusto. No caso do outro escalão visado, a diferença entre a base e o topo é superior ao dobro, o que eleva ainda mais a injustiça, não obstante estejam em causa contribuintes que auferem bastante acima do salário médio nacional.
Neste sentido, as medidas apalavradas, como estão, vão muito provavelmente diminuir a carga fiscal para um universo muito significativo de contribuintes, continuando a seguir-se o caminho inverso ao que se viveu há cerca de uma década, quando o encurtamento dos escalões de IRS conduziu a um efetivo (ainda que necessário) aumento da carga fiscal sobre os rendimentos das pessoas singulares.
Apenas uma nota, para a qual não se oferece resposta: há que, a seu tempo, perceber se estas medidas de alívio fiscal serão compensadas por outras (em sede de outros impostos) para assegurar o nível necessário de receita fiscal. Se assim for, poderemos chegar a uma posição de eventual empobrecimento da população, ainda que acompanhado por uma (aparente) redução da carga fiscal.
Duarte Amaral da Cruz
Tax Manager